Foi quando fez quinze anos que a tia FlorBela lhe resolveu oferecer aquela jóia. Sempre lha vira poisada nas golas que lhe compunham o pescoço enrugado e flácido. Era pesada e algumas ficavam tão derreadas com o alfinete que se interrogava, muitas vezes, se a tia não teria nascido já com ele.
Quando, naquela tarde, o viu na mão estendida e trémula da tia e lhe ouviu as palavras, ela sentiu, na sua estrutura de adolescente, que a vida lhe iria ser diferente.
A seu lado, a mãe titubeou uma reverência e um "há de usá-lo sempre", que ela não compreendeu no meio da euforia que, conjuntamente com a das amigas, havia despenteado o jardim.
A vida correu, deixou de usar os soquetes brancos e deu por si enfiada num vestido de seda rosa, comprido, pronta para o seu baile de finalistas. Tinha desenhado ela mesmo o vestido, passara tardes na modista, entre provas e alinhavos e alfinetes e um "vire para aqui" e, "agora, vire para ali", "assim, assenta melhor mais larguito aqui no peito".
O espelho de meio corpo devolvia-lhe uma imagem nova de que gostou. Imaginou-se Cinderela, rodopiou e sorriu feliz para a mãe que, de mão emocionada e trémula, lhe entregou o alfinete da tia FlorBela.
O sorriso desapareceu-lhe do rosto, pegou nele como se pegasse num bebé recém-nascido e, desajeitadamente receosa, colocou-o na alça esquerda do vestido.
(continua)